PLURAL

Vivência como um homem preto dentro da Bayer e do mercado de trabalho

Desafios, aprendizados e mudanças positivas.

A discriminação racial, a dificuldade de acesso à educação superior de qualidade e o distanciamento cultural que influencia na percepção da competência do indivíduo bloqueiam o desenvolvimento das habilidades ideais requisitadas pelas empresas, e o funcionário ideal contratado não somos nós.

 

“No dia 13 de maio de 1888,
na senzala o escravo afoito aguardava uma tal de “abolição”,
foi quando chegou sinhozinho gritando bem alto com um papel na mão:
‘Dura lex, sed Lex (a lei é dura, mas é lei), está tudo escrito aqui.
Podem deixar minhas terras negrada, sumam daqui!’.
E foi o povão para as estradas,
Sem teto, sem rumo, sem eira e nem beira.
Aquela tal liberdade parecia brincadeira.
Foram fundando favelas, enchendo cadeias e fuçando o lixão.
Não lhes abriram espaço para dignidade nem educação (...)”
[Música: “13 de maio”, de Juarez Silva, 1998.]

 

Hoje, após mais de 130 anos da Lei Áurea, o debate sobre a inclusão da diversidade étnico-racial toma forma dentro das organizações, e assim o trabalho das gerações passadas de garantir o acesso e o sucesso das gerações futuras no mercado de trabalho vem colhendo seus frutos e permitindo que eu e muitos outros compartilhemos histórias de conquistas. A discussão persiste e possibilita a colaboração em muitos âmbitos da sociedade, para a formação e a inclusão de um profissional completo.

 

Refletir sobre esses debates permitiu meu desenvolvimento e a construção da minha breve carreira, que também é repleta de muita curiosidade e confiança, duas importantes qualidades que com certeza me ajudaram até aqui. 

 

Eu sou do interior de São Paulo, nasci em Lorena e cresci em Pindamonhangaba. Concluí o ensino médio em escola pública, ingressei em uma Universidade Federal após estudar um ano como bolsista em um cursinho pré-vestibular e me formei como engenheiro. As experiências nos anos de graduação aconteceram em áreas muito diferentes, nos laboratórios de física e estudos avançados, na secretaria de extensão da universidade, nos congressos, no estágio em multinacional na capital e nos, para mim ainda desconhecidos, “happy hours”. E em todos esses ambientes, existia algo em comum, contavam-se os pretos nos dedos das mãos. O acesso à educação de qualidade e a consequente contratação para um início de carreira promissor pareciam ter deixado para trás muitos amigos e também desconhecidos.

 

No contexto de mercado de trabalho, uma coisa que sempre chama atenção é a representatividade racial. Quando chegamos a um lugar e vemos um representante, a gente se identifica e torce pelo sucesso. Torce, pois a pessoa é a primeira impressão de todos os outros pretos. Particularmente, quando participava de entrevistas de emprego, apresentava projetos ou acessava locais onde a minha presença era a única, um sentimento de responsabilidade muito importante prevalecia: o de que eu seria a primeira impressão do próximo preto que entraria na sala. E tenho certeza de que algum pré-conceito era desconstruído a partir dessa ação.

 

De acordo com a música de Juarez, meu pai, citada no início deste texto, é importante ressaltar que toda a luta das gerações passadas não é em vão. Eu sou um tataraneto de Zumbi que hoje pode experimentar cada vez mais os acessos, representar e garantir a diversidade. E agradeço aos meus pais e irmãos por exemplificarem para mim o sucesso da educação e da confiança, pois, sem eles, talvez eu não estivesse preparado para as oportunidades criadas.

 

Nos últimos anos da graduação, conheci os disputados programas de trainees, que são excelentes oportunidades para o início de carreira, em que você garante visibilidade, acesso aos grupos de liderança, acesso a treinamentos, reconhecimento e responsabilidade sobre um projeto com importante relevância.

 

Ingressei na Bayer como trainee na área de Finanças e encontrei um ambiente diverso e com representatividade. O vice-presidente era preto, o gerente, a coordenadora, o especialista, os analistas eram pretos, o estagiário era preto com um black power na essência, e depois eu, o trainee preto do cabelo quadrado, mostrando juntos que duro não é o cabelo, e sim o preconceito.  Encontrei também as qualidades que procurava em uma organização: a preocupação genuína sobre a diversidade em suas diferentes proporções, ações que realmente impactam a sociedade, como a semana da inclusão e diversidade, em outubro de 2019, e as ações no mês da consciência negra, que contaram com a presença dos líderes da Bayer, líderes negros do mercado, professor da temática sociorracial e influenciadores. Eventos organizados pela equipe BayAfro (Grupo de equidade racial Bayer), em conjunto com outros grupos que valorizam a diversidade dentro da organização, trazendo cases reais em prol da inclusão. Isso contribui para a valorização da identidade negra e de suas representações sociais, com o intuito de reduzir as formas silenciosas de discriminação que, em um ambiente de trabalho, impedem ou dificultam a ascensão profissional.

 

Todas essas ações favorecem para que o distanciamento cultural, que enfrentamos no Brasil, não influencie na percepção da competência do indivíduo nas organizações. E assim nós podemos construir e impactar o futuro, cada vez mais global, cultural e diverso. Por fim, meu conselho aos jovens pretos em início de carreira que querem tentar algo novo é: acreditem e se empoderem da sua história, da sua família e da sua ancestralidade. Isso nos dá força e inspiração para mudar a nós mesmos e o ambiente à nossa volta. Desta forma, um dia poderemos parar de contar os pretos nas diferentes esferas da sociedade, pois seremos unidos, reconhecidos e incluídos!

 

Um grande abraço a todos e um muito obrigado pela oportunidade de compartilhar minha história e reflexões com vocês!

helio-silva.jpg Hélio Silva, 26 anos, é formado em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de São Paulo. Foi trainee na diretoria de Finanças na divisão Crop Science da Bayer e atualmente é analista sênior de Performance Management.

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